TORCEDORES BRASILEIROS
CONTRA OS PONTOS CORRIDOS

Colunas publicadas na Imprensa Esportiva:

Embora a imprensa esportiva brasileira pareça ser regida por uma "cartilha" na qual é obrigatória a preferência pelos pontos corridos, de vez em quando surgem alguns jornalistas surpreendendo-nos por sua posição "inusitada" e brindando-nos com raras manifestações de bom senso:

Salvem a Estrela! (Renato Maurício Prado) - publicada no jornal O Globo de 20/12/2002

A cada dia, o recém-eleito (mas ainda não empossado) presidente do Botafogo se assusta mais. Esta semana, Bebeto de Freitas descobriu, por exemplo, que seus antecessores já apanharam, com a TV, em forma de adiantamento, o dobro (vou repetir: O DOBRO!) do valor a que tem direito em 2003. Desolado, ele tem confidenciado a amigos que o clube corre o risco de acabar. A situação é desesperadora, mas, competente como é, Bebeto pode transformar o caos financeiro, o rebaixamento para a Segunda e o risco de extinção em motivação para investidores do futebol em geral e do Botafogo em particular. Não é possível que, depois de assistir ao massacre de seus times médios (América e Bangu), os cariocas se conformem agora com o fim de um clube da grandeza do alvinegro. Sem ironia, é necessária uma mobilização do tipo "Salvem as baleias!", ou o Botafogo não passará, em breve, de esmaecido retrato em preto e branco na galeria de glórias do futebol. Só não acho que o Governo (leia-se BNDES) seja a solução correta. A iniciativa privada, sim, poderia, e deveria, investir e tirar algum lucro disso. Chega de mistério: os craques que o Flamengo está tentando, com apoio de uma multinacional, são Flávio Conceição e Rodrigo Fabri. Se tudo der certo, os salários serão pagos pela empresa e os direitos federativos (os passes de antigamente) pertencerão ao clube. As negociações, bem encaminhadas, podem ser fechadas semana que vem. E o Lopes, hein? Este sim, já contratado. Autêntica "granada sem pino". Jogador de boa técnica, mas de vida pessoal conturbada, foi apanhado num antidoping (e suspenso) por uso de cocaína. Nos últimos anos, em Pinheiral (onde mora), destruiu dois carros em acidentes, voltando da night. Ainda arrumam uma safena pro Evaristo...

Telê Santana, símbolo dos amantes do futebol-arte, está encantado. A ponto de elogiar um velho desafeto: o ex-goleiro Leão: - Que prazer ver o Santos! Leão está de parabéns: deu aos garotos liberdade, com aplicação tática. Robinho e Diego resgataram a arte que não se via na Vila desde de Pelé e Coutinho. Ele confessa que, graças a Robinho, viu algo inédito em sua longa carreira: - O lance que originou o pênalti do primeiro gol, eu nunca tinha visto e jamais imaginei ver. Se um jogador comum tentar fazer aquela seqüência de movimentos em velocidade vai tropeçar nas próprias pernas. Telê assistiu à decisão com um sorriso nos lábios: - Sempre batalhei pelo futebol-arte e me sinto recompensado. Torço para que o Santos mantenha a garotada e continue mostrando que a arte supera os inúmeros esquemas defensivos que tenho visto com tristeza. Foi uma final emocionante e sem violência.

Final, mestre? Isso você não verá mais, não. Pelo menos, no Brasileiro de pontos corridos. A menos que após nove meses (!!!) de competição, aconteça a coincidência de se enfrentarem, na última rodada, os dois primeiros lugares, que não poderão estar separados por mais do que três pontos. Acertar na mega-sena sozinho, perde....
Então, tá: a NBA não é medida para o nosso futebol (tal sucesso deve ser coisa de americano bobo!) e para explicar por que o público dos campeonatos europeus é maior que o nosso não vale lembrar que as economias de lá são mais fortes e as rendas "per capita" superiores. Será que serve para justificar por que os jornais esportivos da Europa vendem, em média, quatro vezes mais que os daqui? Ou espera-se que as vendas dos nossos diários especializados disparem com um campeonato longo, que periga ser chocho e no qual 90% dos clubes devem se despedir da luta cedo? Santa ingenuidade, Batman! Em tempo: não precisa concordar. Mas não pensar em todas as possibilidades, além de preguiça, pode ser irresponsabilidade... Qual o esporte coletivo de maior sucesso no Brasil, fora o futebol? E como é a Superliga de vôlei? Ohhh...

Depois de curtir as delícias da Jamaica, Romário despachou para o Brasil Isabella (a atual namorada grávida) e encontra-se, hoje, em Miami, com os filhos e a ex-Mônica Santoro. Juntos farão um cruzeiro e passarão o natal na Disney. Danielle, filha do casamento, com Danielle Favatto, também foi com os irmãos.

Se você gosta de futebol de areia, não perca, amanhã, às 17 horas, o jogo do Juventus contra a seleção brasileira, atual campeã mundial de Beach Soccer. A partida será no campo do Juventus, em Copacabana, entre Figueiredo Magalhães e Siqueira Campos.

O dono de uma concessionária de automóveis importados está impressionado com o número de jogadores que compram carrões, não conseguem pagar as parcelas e os devolvem. Mês passado foram três. Helton, goleiro do Vasco, que já teve uma máquina dessas, voltou a dirigir seu combalido Chevettinho.

E o golaço do Kaká, hein? O craque/galã é o personagem mais disputado dos programas esportivos. Pesquisa feita pelo Globo Esporte mostrou que o ibope sobe quando ele aparece.

Maldade final, a cargo de Jamyr David Filho: "Saiu a primeira parte do programa contra a fome do governo Lula: em 2003, toda segunda vai ter Porco à Portuguesa no Fogão..."


O Homem mais Irado da Cidade (Enrique Aznar) - publicada na revista Placar 1261 (agosto/2003)

Eu não suporto mais ver os jogos desse Campeonato abominável de pontos corridos. Deve ser o campeonato mais chato do mundo. Parece Fórmula 1: interessante na largada e nas primeiras voltas, depois um tédio avassalador. Antes do final do primeiro turno os estádios já estão vazios. Temos a mania de imitar os estrangeiros nas suas piores coisas. Toda a graça do campeonato vinha dos mata-matas. Imagine a NBA sem os duelos finais. Torço para que a besteira cometida neste ano seja desfeita em 2004. E termino dizendo que meu peculiar mau humor só tem sido aplicado pelas risadas que dou ao ver a torcida do São Paulo comemorar proezas como o segundo lugar temporário, a liderança por alguns momentos e uma vitória heróica sobre times como o Figueirense em pleno Morumbi.


Planeta dos Macacos (Paulo Nogueira) - publicada na revista Placar 1264 (novembro/2003)
COPIAMOS OS PONTOS CORRlDOS, MAS O FATO É QUE O BRASILEIRÃO FOI UM FIASCO

Vamos encarar os fatos: o caiupeonato de pontos corridos não deu certo. Uma parte da imprensa esportiva (incluindo a Placar) clamou pelos pontos corridos, em nome da justiça, dos torcedores, da modernização e de outras coisas bonitas. Os organizadores cederam à pressão. Foi uma tentativa louvável, mas o resultado pode ser resumido em uma palavra: fiasco. Os estádios vazios são o retrato mais contundente disso. Nas bilheterias à míngua, o torcedor demonstrou a sua opinião sobre os pontos corridos. O orgulho é da condição humana, e por isso não é crível pensar que os jornalistas arautos da fórmula em curso reconheçam o fracasso. Mas os clubes e os organizadores não têm por que perseverar no erro.

Que em 2004 as finais estejam de volta. Não em 2006 ou mesmo 2005, mas já na próxima edição.

Listar as causas do fracasso é como listar as causas de um casamento fracassado: são tantos os itens que talvez nem valha a pena citá-los. Pode-se talvez começar pela constatação de que um time se sagrou virtualmente campeão muitas rodadas antes do final. Isso se agrava pelo fato de que o presumido campeão precoce, o Cruzeiro, não é exatamente um símbolo de carisma. Com todo o respeito pela vitoriosa tradição cruzeirense, berço de gênios corvo Tostão e Dirceu Lopes, fora de Minas o time atual está longe de mesmerizar, de encantar as multidões.

Um time carismático na ponta talvez compensasse todos os problemas dos pontos corridos. A questão é que existem apenas dois times carismáticos no Brasil: Corinthians e Flamengo. Isso no fundo quer dizer que o modelo atual só daria certo se Corinthians e Flamengo se revezassem na conquista de títulos. A não ser que emergisse um terceiro na lista. Pelé fez do Santos nos anos 60 um time carismático. Mas convém não apostar no surgimento de um novo Pelé.

O maior dos erros residiu no espírito de macaco, de copiadores, que governa as mentes no cenário esportivo nacional. O Brasil tem cinco títulos mundiais, mais do que qualquer outro país, e ainda assim parece olhar para o mundo à busca de professores. A Espanha jamais foi campeã mundial. Sequer uma final conseguiu alcançar. Nenhuma seleção espanhola passou para a história, ainda que sem a Copa, como aconteceu com a Hungria de 19S4, a Holanda de 1974 e, numa medida ligeiramente menor, o Brasil de 1982. No panteão dos grandes craques de todas as épocas, não figura um único espanhol. Os maiores craques que jogaram ou jogam lá são estrangeiros, de Puskas a Ronaldo, de Di Stefano a Maradona. E no entanto há uma espécie de fé cega na eficiência com que se dirige o fiitebol na Espanha. Este é apenas um caso.

Invejamos os cartolas italianos, o oposto dos cartolas brasileiros. E o sentimento de inveja não parece ceder nem quaiido o presidente do Napoli na época vitoriosa de Maradona, nos anos 80, confessa extravagâncias. Confessa que outros jogadores forneciam sorrateiramente urina para o exame contra o doping quado Maradona era sorteado. Confessa que uma vez fez levarem o volante brasileiro Alemão para o hospital sem motivo para isso além de ganhar, fraudulentamente, pontos no tapetão que contribuíram para o título do Napoli. Eis algumas amostras do maravilhoso futebol italiano, tão superior em organização ao brasileiro.

Não somos capazes de perceber que em futebol, como na música, ao Brasil cabe melhor o papel de professor que de aluno. Os times estrangeiros deveriam mandar gente ao Brasil para tentar descobrir como, apesar de tantas adversidades, os clubes continuam a atrair e formar jovens brilhantes em série. Se fizessem essa lição de casa, provavelmente os clubes europeus não precisariam gastar tanto dinheiro na importação de jogadores.

A macaquice levou aos pontos corridos. Sugiro que, se for para macaquear, que se olhe ao menos para a direção certa. Um dos campeonatos mais bem-sucedidos do mundo é o da NBA. Lá os times jogam 82 vezes no curso da chamada temporada regular. Ginásios em geral cheios, entusiasmo em quase todos os jogos. Mas o espetáculo chega ao seu ponto máximo e espetacular nos duelos finais. As melhores cainpanhas são recompensadas pelo mando de jogo em caso de partida decisiva. Que seria da NBA sem as finais? Basta ver o Campeonato Brasileiro de futebol em curso para se ter uma idéia.


Lembra do ano passado? (Zé Paulo da Glória) - publicada no site AOL Esportes em 10/05/2004

Não vamos nos esquecer que esse Brasileirão é por pontos corridos. Aquele mesmo formato do ano passado que não tem finais e que pode terminar com várias rodadas de antecedência. Esse formato premia a regularidade, nem tanto o momento do time e tira a possibilidade do imponderável atuar sobre o resultado final da competição.

Eu acho sem graça. E muita gente também deve achar porque a média de público já caiu 30% em relação ao ano passado (que também teve uma média baixa).

Volto a bater nessa tecla porque parece que só alguns clubes entenderam o "pulo do gato" desse tipo de torneio. O São Paulo, por exemplo, que acaba de assumir a liderança isolada, não joga um futebol de encher os olhos, mas tem conseguido manter a tal da regularidade. O Cuca me fez queimar a língua. Quando ele foi para o Tricolor eu disse que preferia um profissional mais experiente, porque o São Paulo não ganha um título nacional já há algum tempo. Mas ele está mostrando que tem um estilo "Felipão" que faz o time jogar de forma bem regular. Caramba, me incomoda um pouco o fato do líder do Campeonato ser "regular". Queria que fosse ótimo. Mas nenhum dos líderes pode ser chamado de ótimo. Vai ser o campeonato do médio.

Falo isso porque nenhum time, nem o São Paulo, encheu os olhos ainda. Vitória, Goiás, Ponte, Figueirense fazem excelentes campeonatos porque estão conseguindo a tal da regularidade, times competentes, mas show mesmo ninguém deu até agora.

Ah! Mas show de incompetência a gente vê bastante. Tá provado que o futebol carioca só empolga domesticamente, no cenário nacional o que se vê chega a ser ridículo. Três dos quatro cariocas no Brasileirão ameaçados pelo rebaixamento.

Cruzeiro e Santos que podiam ser considerados favoritos ao título desse ano, também deram seu showzinho interno de incompetência e vaidade dispensando os dois melhores técnicos do Brasil. Mais esperto foi o Santos que dispensou um e pegou o outro.

Corinthians, Atlético MG, Atlético PR também circundam a tal da zona do rebaixamento. E o Corinthians ainda está em dúvida se troca ou não de técnico. 26,7% de aproveitamento já não justifica? O Leão está aí dando sopa.

Lógico que muita coisa vai mudar ainda durante o campeonato. E tomara que mude! Não vou agüentar de novo uma competição tão previsível.


Nem na Vila, Nem na Arena (Nando Reis) - publicada no jornal O Estado de São Paulo de 18/12/2004

Não conseguiria resumir de modo melhor nessas próximas linhas a idéia que esteve concisamente reduzida na imagem da foto que vi, anteontem, na primeira página deste jornal. Ela aparecia enfática no modo vertical, assim, sintética, assimétrica, inusual e límpida. A fila, ou melhor dizendo, o congestionamento conturbado de uma multidão que se espremia no intuito de comprar o ingresso para o jogo que decidirá em campo a sorte do título de campeão brasileiro de 2004, é o grande retrato desse momento final.

Será que não é um monstruoso equívoco essa idéia européia que quer nos educar e nos fazer acostumar a gostar do ritmo de um campeonato que não se decide no risco de uma final, mas sim com a média ponderada da obtenção dos pontos corridos de uma tão forma racional quanto estereotipada? Será que não estamos nos ferindo e agredindo intencionalmente a nossa púrpura paixão?

Correndo o risco de contrariar a sensatez, ataco o pressuposto que agora passou a valer de que cometer a justiça é agradecer cegamente esse campeonato matematicamente correto.

Nesses útimos anos todos me acostumei a defender sem discutir a adequação e as vantagens da grandeza de um tomeio por pontos corridos. Esse capítulo passou a fazer parte do grupo das idéias absolutas e inatacáveis, daquelas que se afirmam como a melhor das barreiras para a corrupção, uma verdadeira Grécia essa tabela dos jogos de ida e volta que medem olimpicamente o objetivo da competição. Mas só em parte! Não é bem assim que se escreve a verdade. Acho até que muitas vezes melhor enxergam os míopes. O tato do cego contorna tão bem o objeto e o alimento, escuta no vento, o olfato do surdo.

Acho que estamos criando um campeonato que definitivamente brinda o torcedor apático (ou abastado) do pay-per-view. Aquele que prefere assisúr ao jogo do seu time (ou de todos os outros) refestelado na grossura das almofadas de sua poltrona. Tanto faz que a peleja esteja sendo disputado a um quarteirão do seu palácio ou num pasto ralo em Volta Redonda. Seu único obstáculo será o controle remoto ou, no máximo, a tecla sap, porque daqui a pouco estaremos ouvindo locutores com sotaque ucraniano acentuado ou narradores acostumados com a morosidade das dublagens das propagandas baratas que preenchem os horários medíocres.

Vou aproveitar esses míseros parágrafos para dizer que não acho JUSTO que o jogo derradeiro que talvez venha a outorgar ao Santos o mérito do título seja jogado em São José do Rio Preto. Nada contra a cidade. Se aquele torcedor alvinegro que teve a sorte de nascer em São José e graças ao STJD alcançará no domingo a glória de ver o seu time jogar para ganhar o título no campo de sua cidade natal, esse mesmo e raro torcedor - ainda que em número ínfimo - teve que lutar como um gladiador para obter o seu lugar no logradouro do espetáculo.

Vou mais além, acho estranho que o Santos tenha sido seguidamente castigado com a perda do mando de seu campo, até chegarmos nesse absurdo. Sou a favor do rigor mas com critérios, e acho que esse desfecho inusitado não pode ser visto sem uma observação, um reparo, ou sem o benefício de uma dúvida. Se é para ser claro eu gostaria, SIM, de ver nesse domingo,uma FINAL seja na Arena da baixada ou na Vila Belmiro. Não estou aqui defendendo estupidamente uma forma arcaica ou reacionária, muito pelo contrário. Estou aqui argumentando contra aquilo que acho que contém uma inadequação que não sei se é de forma ou de princípios.

Não sei se deveria concluir assim esse raciocínio estapafúrdio que, confesso, estava engasgado. Sinceramente, preferia o tempo que eu só podia ouvir o meu time jogar quando o jogo era transmitido pelo rádio...


Um campeonato todo errado (Roberto Porto) - publicada no Jornal de Debates em 25/08/2007
PONTOS CORRIDOS, SINCERAMENTE, É O SUICÍDIO DE UM FUTEBOL QUE É PENTACAMPEÃO MUNDIAL

Um país de dimensões continentais como o Brasil – mais de oito milhões e meio de quilômetros quadrados – não poder ter um campeonato por pontos corridos. Se a Rússia, China, Canadá e Estados Unidos têm – que também são gigantescos – o problema é deles. Mas o Brasil, sem ferrovias e de estradas esburacadas e perigosas não pode se dar ao luxo de colocar 20 times de futebol viajando de avião de um lado para o outro – a não ser que haja um acordo por baixo dos panos com as companhias aéreas que nos restam, além da TAM, Gol e Varig. Isso para não falar nos apagões, nas greves dos controladores de vôos, em aeroportos de pistas escorregadias e em aviões que decolam sem condições de manutenção adequada e com reversos travados.

A CBF, quando inventou o Campeonato Brasileiro por pontos corridos, imaginou que o Brasil (quem sabe?) fosse do tamanho da Itália, França, Portugal, Alemanha, Inglaterra e outros pequenos e bem integrados países da Europa. E não me venham com prêmios de consolação de classificações para a Taça Libertadores ou Copa Sul-Americana. Elas não se comparam, em importância e relevância, às competições internacionais da Europa, reunindo os mais famosos craques do mundo do futebol, inclusive um enorme grupo de brasileiros comprados a preços de banana do nosso falido futebol.

Lá pelas tantas, quando um clube brasileiro dispara na ponta – como o São Paulo, neste exato momento – os torcedores dos demais clubes, principalmente os do grupo intermediário, deixam de ir aos estádios, as rendas caem e a solução é a de sempre – vender cada vez mais jogadores, até mesmo para a Coréia, Japão, países árabes e para o Casaquistão. É a saída que salva os clubes brasileiros da bancarrota e desanima ainda mais suas apaixonadas torcidas. A chamada Lei Pelé foi também uma mão na roda, para não falar dos empresários que ficam cada vez mais ricos e assediam os jogadores.

Se houvesse um quadrangular final – com jogos de ida e volta – os clubes manteriam o ímpeto. Houve época em que a CBF programava até octogonais, o que acho um exagero. Mas um quadrangular decisivo seria o ideal, reunindo os quatro clubes mais bem colocados – independentemente de classificação para Libertadores ou Sul-Americana. Mas pontos corridos, sinceramente, é o suicídio de um futebol que é pentacampeão mundial. A CBF, pelo contrário, atual líder do ranking da FIFA, está cada vez mais rica, com patrocinadores que investem os tubos para a Seleção Brasileira enfrentar até a bisonha Argélia, como aconteceu outro dia. E ainda há mais jogos programados antes das eliminatórias para a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. E quem paga a conta, faço a pergunta? A Seleção Brasileira, claro, com um grupo que mais parece a Legião Estrangeira que a França mantinha nos países ocupados da África do Norte. O time quase que só conta com jogadores que atuam no exterior, alguns deles desconhecidos e inexperientes e um técnico teimoso.

O quadrangular final, claro, não diminuiria as dimensões continentais do Brasil. Mas manteria o interesse de muitos clubes que tentariam chegar entre os quatro primeiros, com a oportunidade de faturar um razoável dinheiro nos jogos decisivos. Mas não adianta. Os pontos corridos estão aí e aí ficarão até que quase todos os clubes brasileiros entrem em processo falimentar.


Futebol e desigualdade - Um campeonato... brasileiro (Aydano André Motta) - publicada no blog "Chopp do Aydano" (do jornal O Globo) em 10/09/2007

Mal entrou setembro e o Campeonato Brasileiro já era. Na verdade, ainda em agosto o São Paulo conquistou o título, com sua defesa revestida de adamantium (o metal indestrutível no corpo do "X-man" Wolverine), seus inacreditáveis sete gols tomados, sua estrutura européia, seu goleiro espetacular, seu "faz-tudo-certo" conceitual. A três meses do fim do campeonato, estamos os brasileiros condenados a abandonar o mais importante, resolvido muito antes da hora. Vamos até dezembro na burocracia de jogos esquecíveis, por desimportantes.

Culpa do modelo, que transformou nosso principal campeonato em brasileiro - no que a expressão pode ter de pior. Jamais por acaso o time da elite quatrocentona paulistana, o mais rico do país, da cidade mais rica do estado mais rico é o maior vencedor da era pontos corridos. Vamos precisar da História - os nascidos nessa terra de sol e tolerância demoramos a enxergar - para entender o mal que estamos fazendo à nossa suprema paixão, com essa "europeitite" maluca.

O tal formato que premia inexoravelmente o melhor time, que entrega o troféu e as glórias a quem se planeja, tem dinheiro e poder traz um pouco do mais nefasto do Brasil para o futebol. A desigualdade se acentua nos pontos corridos, pavimentando o caminho de quem é mais sólido. Justo sim - aborrecido, também. Clubes como o São Paulo sempre serão favoritos numa disputa sem disputa como o Campeonato Brasileiro. Que filme é esse, do qual todo mundo sabe o desfecho?

Ah, dirá você aí, mas tem a disputa pelas vagas na Libertadores, a luta sufocante contra o rebaixamento... Podemos ainda nos agarrar ao público nos estádios e seu nanocrescimento ao longo dos anos. Como se não fôssemos ver futebol, qualquer futebol, incondicionalmente, parte mais resolvida do nosso DNA de povo.

Abrimos, então, mão do melhor pelo resto. Desistimos da picanha pela batata frita, privamo-nos do morango pelo creme. Não faz sentido. Mas embarcamos na viagem delirante de tentar consertar a casa pelo teto, virar futebol europeu na inspiração da forma que não tem conteúdo. Há cinco anos, o melhor aborrecidamente vence. Ó, tédio.

Há cinco temporadas o Brasil trabalha para transformar futebol em vôlei ou basquete ou tênis. Não na beleza desses esportes, no seu profissionalismo e afinco, mas na sua previsibilidade. Alguém aí aposta contra os Estados Unidos no torneio olímpico de basquete? Ou despreza o esquadrão de Giba em qualquer competição? Ou duvida de Rafael Nadal no saibro e de Roger Federer em todos os outros pisos?

O único esporte diferente, que derruba o favoritismo prévio, é o futebol - jamais por acaso, o mais empolgante aos olhos do mundo. Só nele a seleção brasileira de 1982 perde. Só nele o mesmo São Paulo bicho-papão dos pontos corridos é eliminado da Libertadores pelo trabalhador mas opaco Grêmio. A "injustiça" nesses casos é superação, entrega, vontade.

Assim, os devidos parabéns ao competente São Paulo. Mas vamos logo achar um jeito de jogar que permita a volta das batalhas épicas - porque nelas se forja a paixão do futebol.


O Bocejo Venceu a Adrenalina (Paulo Nogueira) - publicada na revista Época de 30/09/2007 e republicada no Guia Globo Esporte do Campeonato Brasileiro 2008
OS PONTOS CORRIDOS MATARAM O QUE HÁ DE MAIS ELETRIZANTE NO FUTEBOL - AS FINAIS, QUE DISTINGUEM OS HOMENS DOS MENINOS

Foi um retrocesso, em vez de um avanço. O sistema de pontos corridos no Campeonato Brasileiro tirou o que havia de mais eletrizante nele: as finais. A excitação provocada pelos jogos de vida ou morte, e antes disso pela expectativa de saber até o último momento quem se habilitaria a eles, foi substituída pelos bocejos nascidos de uma série infindável de partidas irrelevantes.

A batalha dos mata-matas foi perdida no terreno da persuasão. A tese simplificadora da "justiça" dos pontos corridos não encontrou concorrência, e foi abraçada com fé cega por muita gente que hoje boceja como eu. Alguém falou aí em unanimidade burra? O melhor dos campeonatos nos Estados Unidos, do basquete ao beisebol, do hóquei ao futebol americano, está nas finais. Ninguém contesta a "justiça" de quem leva o título. O Chicago Bulls, sete vezes campeão de basquete na era Michael Jordan, nem sempre chegou em primeiro na "temporada regular" - a que antecede o mata-mata. Na hora da decisão, o Bulls prevaleceu. Injustiça?

Não. Há um fator que foi ignorado ou amplamente subestimado na discussão sobre o sistema a seguir no campeonato brasileiro: o impacto de jogar sob pressão. Homens distinguem-se de meninos nesse momento. Michael Jordan foi o que foi porque, nas finais, seu desempenho melhorava substancialmente, a começar pela média de pontos por partida. A possibilidade de eliminação num único jogo transformava Jordan num jogador ainda mais soberbo do que ele era rotineiramente. O real teste do grande jogador é a partida que pode ser o adeus.

O Santos de Robinho, em 2002, provou ser forte quando era necessário. Bateu nas quartas-de-final o time que fizera a melhor campanha, o São Paulo. A partida decisiva foi jogada no Morumbi. Na final, o Santos derrotou o Corinthians. Quem há de esquecer as pedaladas de Robinho contra um jogador que não soube o que fazer senão andar para trás e depois derrubar o então desconhecido atacante do Santos dentro da área? O time do São Paulo, "campeão moral", foi para o lixo do futebol. Seus jogadores fizeram o oposto de Michael Jordan: diminuíram sob pressão. O do Santos de Robinho entrou para a História. Com justiça.

Os campeonatos europeus também foram invocados na defesa dos pontos corridos. Ora, a Europa foi, nas últimas décadas, vítima do que se chamou de "euroesclerose" - uma dificuldade monumental de mudar e se reinventar. Não fosse Margaret Thatcher, com sua obstinada cruzada pela modernização na Inglaterra nos anos 80, e a euroesclerose teria transformado a Europa num enferrujado museu. Thatcher inspirou, no continente, líderes que desafiaram a poeira em outros países, como o espanhol Felipe González e, mais recentemente, a alemã Angela Merkel e o francês Nicolas Sarkozy. Imitar os europeus por quê? Mesmo lá, as partidas mais eletrizantes são, hoje, disputadas em torneios com mata-mata, como a Copa dos Campeões.

Não foi no terreno da lógica que se perdeu o pedaço melhor do Campeonato Brasileiro: as finais. Foi, repito, no terreno da persuasão. E a única chance de recuperá-lo é ali mesmo: na persuasão. Quem acredita na excitação única proporcionada por finais em que se mata ou se morre, levante as mãos, sem constrangimento. Por razões misteriosas, ficou "chique" declamar a justiça dos pontos corridos. O tempo mostrou o tédio dessa fórmula, as suas limitações intransponíveis diante de outros sistemas mais adequados ao mundo moderno do entretenimento ao qual o esporte pertence. Há uma obsolescência nos pontos corridos, uma falsa justiça que faz mal ao Campeonato Brasileiro - e aos torcedores de todos os times, privados da incomparável adrenalina de um jogo de vida ou morte"


Injustiça Já! (Aydano André Motta) - publicada no Jornal Placar em 14/11/2008

Por que amamos tanto o futebol? Decifrar tal mistério, que nos distingue como povo, obriga a um mergulho na nossa alma tolerante e paradoxal, ao mesmo tempo solidária na doença e cruel no trânsito (para ficar num exemplo básico). O lado antropológico corre paralelo ao diagnóstico esportivo – claro como um dia de sol na praia: não pode haver jogo mais empolgante, por imprevisível.

Assim, olhar a classificação do Brasileiro à beira do desfecho, com o São Paulo no topo – como em 2007, como em 2006 -, exibe, até para quem se recusa a enxergar, o equívoco dos pontos corridos. Porque futebol deve ser inesperado, surpreendente, insólito – e, se for o caso, injusto. Como diria Nelson Rodrigues, mestre maior, eis a verdade, amigos: sem injustiça, o futebol morrerá.

Antes que a patrulha politicamente correta apresente armas, o que se defende aqui é a superação do pior diante do melhor, que forja heróis e materializa épicos da bola. Tudo que jamais acontecerá, na fórmula que elimina a possibilidade de surpresas. Ganha quem faz mais bem feito, quem trabalha melhor, quem merece - como deveria ser na vida, não no campo de jogo. O futebol não pode ser vôlei, não deve ser natação – esportes onde, ó chatice, o melhor inexoravelmente vence.

Está aí a história como prova suprema. Nossa paixão nasceu na mais dolorida de toda as infâmias – a vitória do Uruguai, na Copa de 1950. Éramos melhores, donos da casa no templo novinho e lotado, e perdemos, tragicamente. Desde então, há 58 anos, e pelos séculos afora, tentamos e tentaremos ganhar aquela partida. Injustiça bendita – graças a ela, amamos este jogo acima de tudo.

Não merecemos a burra isonomia dos jogos todos iguais, do tédio chamado pontos corridos.


A Final dos Sonhos (Paulo Julio Clement) - publicada no Jornal Placar em 03/12/2008

Adoraria ver uma final São Paulo x Grêmio. Respeito quem considera mais justa a disputa por pontos corridos. Mas esse senso de justiça em futebol é relativo. Excluindo erros crassos de arbitragem e maracutaias de dirigentes, o futebol tem um modo peculiar de ser justo. Quem nunca viu uma equipe criar chances, ser parada pelo goleiro adversário ou pelo antijogo e, no finalzinho, em um mísero contraataque, sofrer a derrota? A contradição faz parte do jogo de bola. Ninguém está propondo a decisão entre o melhor e o pior. Isso sim, seria sem sentido.

JOGOS DA VIDA
Se lembrarmos os dez jogos mais emocionantes de nossas vidas, certamente teremos uma porcentagem elevadíssima de finais ou semifinais (a invasão da Fiel no Maracanã, em 76, foi semifinal, sabiam?). O que teremos domingo? São Paulo e Grêmio enfrentando respectivamente Goiás e Atlético-MG, pensando no que ocorre a quilômetros de distância. Provavelmente vai ter time querendo atrasar seu jogo para o que o do outro comece antes. A tal malandragem, que nada tem a ver com justiça.

UM LÁ E OUTRO CÁ
Grêmio campeão do primeiro turno x São Paulo, campeão do segundo. Um jogo lá e outro cá. Sei que sou minoria entre os jornalistas, mas tenho dúvidas se estaria tão só se a torcida for ouvida. Ah, claro. Se algum herói vencer os dois turnos, seria naturalmente o campeão. Sou “injusto”, mas nem tanto.


Que falta vaz o mata-mata (Paulo Nogueira) - publicada na revista Vip de novembro/2010
CORTAR AS FINAIS SERVE A MUITOS INTERESSES, MENOS AO DO TORCEDOR

Chega ao fim mais um campeonato em que os torcedores são privados do que existe de mais eletrizante no futebol: o mata-mata. A supressão dos jogos em que você ganha ou morre foi um ato de macaquice em relação aos campeonatos nacionais europeus - de resto cada vez menos importantes em relação às copas europeias, nas quais os mata-matas são presença destacada e aguardada por representarem o melhor da festa. O salto rumo ao passado no Campeonato Brasileiro se deu em nome de uma constância que ignora várias coisas, do interesse do torcedor á possibilidade de ver os jogadores diante de uma situação extrema em que adultos se distinguem de meninos.

O desempenho em jogos decisivos permite a um treinador de seleção ver como os jogadores de comportam quando mentalmente exigidos mais que o habitual. Até nisso os mata-matas trazem vantagens consideráveis. Lamentavelmente, a CBF se dobrou à pressão da "mídia justa", liderada intrepidamente por Juca Kfouri.

Foi uma besteira.

Não existe campeonato mais eletrizante que a NBA. A maior razão está nos playoffs, embora a temporada normal seja amplamente valorizada, até porque é ela que vai determinar a vantagem dos times finalistas.

A NBA encontrou uma maneira inteligente de conciliar o melhor dos dois mundos. Recompensa a regularidade da fase classificatória, e depois, para evitar que uma má jornada sacrifique todo um ano, estipula melhor de 5 na primeira fase eliminatória. O jogo decisivo, caso haja, é na casa de quem fez a melhor campanha. Nas últimas rodadas, é melhor de 7. O time mais regular tem todas as oportunidades de provar que merece ser campeão. Se não for, é porque não merecia. O Chicago de Michael Jordan uma vez virou uma série diante do Knicks de Patrick Ewing em que começou perdendo de 0 a 2 e na qual a vantagem era do adversário.

Já imagiou como seria interessante isso no Brasil?

Suponha Corinthians e Flamengo numa final. Ganha o primeiro que vencer quatro vezes. Ou três, se houver interesse em encurtar a decisão para uma melhor de 5. Seria incrível para o futebol, para o torcedor, para os times.

Talvez só não fosse bom para a "mídia justa", mas não raro o que é bom para ela é ruim para o mundo do futebol - a começar pelos torcedores.


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