O calendário do futebol - Parte 3 (final)
Nas duas primeiras partes desta coluna foram apresentadas sugestões de estruturas ideais para as competições brasileiras e internacionais de clubes e de seleções. O que existe hoje em dia, entretanto, é o propalado calendário quadrienal, que está ainda muito longe de qualquer conceito que se tenha de "estrutura ideal". Nesta terceira e última parte, serão comentados vários aspectos e apresentadas algumas sugestões a esse calendário quadrienal, precedidas de fragmentos extraídos de noticiários esportivos.
Copa Mercosul:
Um dos maiores méritos desse calendário é o fim da participação brasileira na Copa Mercosul, que (se Deus quiser) desembocará na extinção dessa inútil competição. É bom que estejam começando a perceber a completa falta de razão de ser dessa Copa que não tem rigorosamente nenhum significado técnico.
Campeonatos Regionais:
Outra inovação merecedora de aplausos é a vinculação da participação nos torneios regionais à performance nos estaduais. A participação cativa dos oito grandes no Rio-São Paulo (como aconteceu até 2001), por exemplo, era uma afronta e um desincentivo ao trabalho de times como Portuguesa, Ponte Preta e Americano.
Esse sistema será também, uma grande oportunidade de se testar a credibilidade da estrutura. Se um dos oito grandes for "rebaixado" para o Campeonato Estadual, esse rebaixamento será respeitado? Nada é mais saudável e traz mais credibilidade à competição do que obrigar uma equipe fraca (mesmo que seja "grande") a se recuperar dento de campo. Um ótimo exemplo disso é a história recente do Fluminense, que hoje volta a figurar entre as equipes mais fortes do país após ser obrigado a disputar, por dois anos, as divisões inferiores do Campeonato Brasileiro. Será que, em outra realidade, a acomodação gerada pela certeza de jamais poder ser rebaixado incentivaria tal evolução técnica?
Copa do Brasil:
E os cartolas conservam o maior erro de toda a estrutura do futebol: as participações por convite. O único critério justo e correto é o critério técnico. Se querem fazer uma Copa do Brasil com 64 clubes, que façam, por exemplo, com os 27 campeões estaduais e os 37 melhores times do Campeonato Brasileiro anterior (começando do Campeão da Série A e indo até a Série C, se necessário).
Campeonatos Estaduais:
Eis mais uma característica positiva do calendário. Sendo três times oriundos do Rio-São Paulo, no mínimo um grande ficará de fora e no mínimo um "pequeno" estará nas semifinais estaduais. Isso é um promissor sinal de mais alternância e imprevisibilidade nos estaduais!
Faz sentido. Realmente é muito bolo para pouca cereja. Imaginem uma semifinal do SuperCampeonato Paulista, por exemplo, entre o Campeão Estadual e um dos "grandes" que disputaram o Rio-São Paulo. Se o Campeão for derrotado logo no início do SuperEstadual, se sentirá injustiçado por ter perdido meses de trabalho em apenas um ou dois jogos. Por outro lado, se o Campeão vencer seu jogo contra um "grande", será o "grande" que se sentirá tal qual um penetra expulso da festa, pois terá sido eliminado em sua estréia. Fica aqui a sugestão de um SuperCampeonato Estadual mais razoável, disputado por oito times (cinco oriundos do Campeonato Regional e três da primeira fase do Estadual, por exemplo) em um octogonal disputado em turno único, por exemplo, ou em dois quadrangulares com semifinais e final.
Essa estrutura, no entanto, peca por praticamente proibir alguns times de serem campeões estaduais. O Bangu, por exemplo, para chegar às semifinais do SuperCampeonato Carioca, precisaria terminar pelo menos em terceiro lugar entre os times do Rio de Janeiro no Torneio Rio-São Paulo, o que o obriga a superar pelo menos dois dos quatro grandes. Por outro lado, o Madureira, por exemplo, precisaria apenas ficar à frente de times como Friburguense, Olaria e Cabofriense, o que é uma missão visivelmente menos difícil...
Outra dúvida que esta estrutura fará surgir se manifesta no campo histórico e estatístico: de acordo com o divulgado, o Campeão Estadual "oficial" será o vencedor do "Campeonato Seletivo", mas quem disputará a Copa do Brasil será o SuperCampeão. Fica, então, a pergunta: qual dos dois ficará registrado nos almanaques e anuários como o "Campeão Paulista de 2002", por exemplo? Há um sério risco de que cada ano sejam criadas 27 novas polêmicas similares à rusga entre Flamengo e Sport acerca do título brasileiro de 1987...
Mais um problema que essa estrutura causará: hoje em dia a maioria dos campeonatos estaduais das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste é concebida para durar nove, dez meses, pois com exceção dos um ou dois times de cada estado que disputam as Séries B e C do Campeonato Brasileiro, o estadual é a única competição que os times desses estados têm para disputar em todo o ano. O (Super)Campeonato Sergipano, por exemplo, será disputado pelos três melhores times do estado na Copa Nordeste (que aliás só é disputada por Sergipe e Confiança; o terceiro sairia de onde?) mais o campeão da Seletiva. Assim, ou a Seletiva será obrigada a acabar na mesma época do Nordestão, para que o (Super)Campeonato seja disputado logo em seguida, obrigando todos os n-1 times eliminados a passarem o resto do ano parados; ou os três times oriundos do Nordestão é que ficarão meses parados esperando o final da seletiva! De uma forma ou de outra haverá times parados vários meses a fio...
Critérios:
Esse talvez seja o maior mérito de todo o conteúdo do calendário. Até que enfim alguém percebeu que o grande problema dos campeonatos atuais é eles serem ilhados e que é necessário haver vínculos classificatórios entre eles!
Perigo à vista! A Lei Pelé permite que quaisquer clubes se juntem em ligas e, conseqüentemente, permite que os times decidam quem vai disputar ou não cada campeonato, ignorando solenemente as leis de acesso e descenso (como o Clube dos 13 vem fazendo no Campeonato Brasileiro)! É a virada de mesa institucionalizada!
Outro aspecto que merece comentários: a insistência em enxergar o futebol como atividade financeira e não como a atividade esportiva que é. Não tem sentido privilegiar esse ou aquele clube. A única postura correta é tratar rigorosamente todos os clubes com absoluta igualdade. Basta lembrar que a estrutura aplicada na Itália, na Espanha, na Inglaterra (e em praticamente todos os países da Europa) e que é freqüentemente usada como exemplo de estrutura que o Brasil deveria adotar, trata de forma rigorosamente igual desde os grandes times da primeira divisão até as equipes semi-amadoras das divisões mais baixas.
Mais uma vez os cartolas se esqueceram das superposições. Ainda não foram providenciadas respostas para potenciais perguntas do tipo "Se o mesmo time for campeão da Copa do Brasil e da Copa dos Campeões quem ganha a segunda vaga para a Libertadores?"
Clareza de critérios? Uma leitura superficial desta coluna é suficiente para mostrar que alguns critérios são tão claros quanto um barril de piche...
É evidente, por tudo o que já foi escrito nesta série (e especialmente nesta coluna), que esse calendário quadrienal tem diversos pontos criticáveis e que está longe de ser o calendário dos sonhos de qualquer brasileiro. Não se pode negar, porém, que é uma iniciativa inédita e que, bem ou mal, tem seus méritos. Por isso, embora aponte muitos aspectos negativos (como a manutenção das vagas para convidados na Copa do Brasil, por exemplo) e manifeste expressa discordância quanto à estrutura idealizada, esta coluna apóia e torce para o sucesso desse calendário.
É isso aí. A qualquer momento estarei Acertando as Contas com um novo assunto atual do futebol.